CATHARINE MACAULAY, PRECURSORA DE MARY WOLLSTONECRAFT
Catharine Macaulay (1731-1791) nasceu em dois de abril de 1731. Seu pai se chamava John Sawbrigde e sua mãe era Dorothy Wanley. A segunda filha a nascer de dois irmãos e mais uma irmã teve berço junto à beleza exuberante de um condado nsudeste da Inglaterra chamado Kent. Sua família possuía bens e propriedades, o que fez com que ela tivesse acesso à educação, com distinção especial em história Greco-romana. 1
Macaulay foi famosa no tempo em que viveu. Considerada a primeira “mulher historiadora inglesa”, escreveu não apenas livros de história, mas também um tratado filosófico, além de uma extensa obra sobre educação, poemas, panfletos e cartas. Foi reconhecida na cena intelectual por criticar o pensamento monarquista de Thomas Hobbes, o conservadorismo de Edmund Burke, o sexismo de Jean-Jacques Rousseau, por defender o republicanismo e a educação das mulheres.
Como exposto, a filósofa escreveu várias obras. 2 Destaco neste texto especialmente os livros sobre a história da Inglaterra (The History of England from the Accession of James I to that of the Brunswick Line – 1763-1783); o tratado filosófico acerca da imutabilidade da verdade moral (Treatise on the Immutability of Moral Truth – 1783), e as cartas sobre educação (Letters on Education with Observations on Religions and Metaphysical Subjects – 1790).
Resumidamente, sobre suas obras de história é interessante apontar que Macaulay escreveu oito volumes que abarcam quase um século da história inglesa e que percorre desde a ascensão do rei James I, ou do monarquismo absolutista, até a Revolução gloriosa de 1688, ou a instauração da monarquia constitucional, do parlamento permanente, junto com a Declaração de direitos (Bill of Rights). Ao descrever os fatos com brilhantismo e vivacidade, Macaulay também expôs seus juízos políticos sobre a história. Trata-se nada mais do que o primeiro trabalho da história inglesa sobre o século XVII escrito a partir do viés republicano (COFFEE, 2019).
Macaulay apoiou a luta dos Comuns e criticou o absolutismo encarnado na dinastia Stuart, do qual fazia parte o rei Carlos I, que defendia a sua legitimidade política com base no direito divino dos reis. Catharine também defendeu nesses livros e em outros panfletos o direito de depor o monarca, o direito de petição e os direitos autorais.
Sobre o seu tratado filosófico, Karen Green, estudiosa das obras desta filósofa, defende que Macaulay publicou o Tratado acerca da Imutabilidade da Verdade Moral (Treatise on the Immutability of Moral Truth – 1783) que já apresentava uma lei moral universal antes de Immanuel Kant (1724-1804). Assim escreveu Green:
Como Kant, que argumentou em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes, publicada pela primeira vez dois anos depois do Tratado de Macaulay, que só agimos moralmente quando agimos por um senso de dever moral, Macaulay argumenta que nosso verdadeiro interesse racional está na “conformidade” entre a ação aos deveres impostos por um princípio racional, onde o princípio racional que ela pretende nos permite julgar exatamente o que é certo e errado (GREEN, 2012, tradução da autora).
Macaulay desenvolveu uma teoria complexa em que é possível encontrar influências e elementos do pensamento aristotélico, platônico, racionalista, da teologia cristã, do republicanismo, do contratualismo e do pensamento democrático. Nesta obra em específico, a filósofa discorreu sobre diversos temas como: a natureza de Deus; a relação entre a natureza de Deus e a natureza humana; a imutabilidade da verdade moral; o debate sobre livre-arbítrio e a necessidade moral; a origem do mal, entre outros.
Além de afirmar que mulheres e homens são iguais, pois possuem a mesma capacidade para desenvolver a racionalidade, a filósofa ainda postulou a benevolência como virtude suprema da humanidade, sendo que esta virtude abarca não apenas a simpatia pelo próximo, mas a aptidão para ajudar e proteger o próximo da violência (TITONE, 1997). Macaulay também foi pioneira ao defender o bem-estar dos animais e criticar a distância que a tradição filosófica estabeleceu entre estes e os seres humanos.
No que diz respeito ao trabalho acerca da educação, sua obra influenciou agrande filósofa inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797), que escreveu dois anos depois A Vindication of the Rights of Woman: with Strictures on Political and Moral Subjects 3 (1792). Macaulay criticou a obra de Rousseau, Émile ou de l´éducation 4 (1762) e declarou que mulheres e homens deveriam ser educados da mesma forma, pois não haveria diferença entre a natureza racional de mulheres e homens, assim, a diferença sexual só poderia ser baseada em desigualdades em relação à educação e às condições sociais vivenciadas por mulheres e homens. Segundo Macaulay, homens e mulheres deveriam ser educados juntos e a educação deveria proporcionar conhecimentos caracterizados como femininos aos homens e conhecimentos considerados masculinos deveriam ser ensinados para as mulheres. Assim ela escreveu:
Não restrinja a educação de suas filhas ao que é considerada a parte ornamental da vida, nem negue as graças a seus filhos. Não sofra preconceitos que ajudem a enfraquecer a Natureza, mas para torná-la mais bonita; tome medidas para a virtude e a harmonia da sua família, unindo as mentes jovens desde cedo nos laços suaves da amizade. Que seus filhos(as) sejam ensinados(as) juntos(as); que seus esportes e estudos sejam os mesmos; que eles(as) desfrutem ... toda aquela liberdade que a inocência torna inofensiva ... Pela relação ininterrupta que você estabelecerá, assim, ambos os sexos saberão que a amizade pode ser desfrutada entre eles sem paixão. (MACAULAY, 1790, tradução da autora).
Wollstonecraft, posteriormente, desenvolveu as ideias defendidas por Macaulay, como os princípios republicanos de igualdade e liberdade 5 , para contrapor o fato de que a Constituição Francesa de 1791 não incluía as mulheres na categoria de cidadãs, além de ter lutado pela causa antiescravagista. Mary também criticou a ideia da inferioridade intelectual natural das mulheres e sustentou que tal inferioridade se dava com base na educação deficiente que era destinada às mesmas. 6
É importante frisar como essas ideias em defesa da cidadania e educação das mulheres foram compartilhadas e influenciaram inúmeras mulheres que marcaram a história, como a francesa Olympe de Gouges (1748-1793), que escreveu Déclaration des droits de la femme et de la citoyenne 7 (1791), e no fim dos seus dias foi guilhotinada. Temos também os escritos socialistas da escritora franco-peruana Flora Tristan (1803-1844) e da escritora, poeta e educadora brasileira Nísia Floresta (1810-1885).
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1 - No livro sobre a história da Inglaterra, Macaulay declara sua admiração por tais saberes: “Desde a juventude, li com prazer aquelas histórias que exibem a liberdade em seu estado mais elevado, os anais das repúblicas romana e grega. Estudos como esse estimulam o amor natural à liberdade, latente no seio de todo ser racional. (Macaulay 1763–83, 1,7)” (MACAULAY apud GREEN, 2018, tradução nossa).4 Emílio, ou Da educação. Edipro, 2017.
Referências
COFFEE, Alan. Catharine Macaulay's Influence on Mary Wollstonecraft (August 18, 2019). The Wollstonecraftian Mind, Sandrine Berges, Eileen Hunt Botting, Alan Coffee (eds.), London: Routledge, 2019. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=3439008> Acesso em: 10 de setembro de 2019.
GRENN, Karen. Catharine Macaulay, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall2018 Edition), Edward N. Zalta (ed.). Disponível em:<https://plato.stanford.edu/archives/fall2018/entries/catharine-macaulay/> Acesso em:10 de setembro de 2019.
ROVERE, M. (Orgs) Arqueofeminismo: mulheres filósofas e filósofos feministas. São Paulo: n-1 edições, 2019.
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. São Paulo: Boitempo, 2016.